Agência Nacional de Águas declara situação crítica no rio Madeira por causa da seca no Norte
Medida tem vigência até 30 de novembro, podendo ser prorrogada. Declaração permite adoção de novas regras e cobrança de taxas para cobrir custos extras.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) aprovou nesta segunda-feira, 09 de Outubro, situação crítica de escassez de água no rio Madeira, por causa da seca na região Norte. A medida tem vigência até 30 de novembro, podendo ser prorrogada.
A declaração permite que sejam adotadas medidas de prevenção e mitigação de impactos. Além disso, a agência poderá determinar novas regras para uso da água e operação de reservatórios.
A medida também autoriza agências reguladoras e empresas de saneamento a cobrar taxas para cobrir custos adicionais decorrentes da escassez de água, além de alertar estados e municípios para o acionamento de planos de contingência.
O período seco na região amazônica se estende de maio a outubro, quando há transição para o período chuvoso, de novembro a abril. Contudo, o fenômeno climático El Niño intensificou o período seco, reduzindo o nível de água do rio Madeira ao menor da série histórica, que tem 57 anos.
“Observamos que essa anomalia das temperaturas da superfície da região central do Pacífico equatorial, que tem alcançado aí já 1,7 graus [Celsius] além do valor médio esperado, já caracteriza um El Niño forte. E a consequência disso são chuvas acima da média na região Sul e chuvas abaixo da média na região Norte e Nordeste”, declarou o diretor da ANA Mauricio Abijaodi.
De acordo com o diretor, o aumento na temperatura do oceano Atlântico também tem intensificado o fenômeno, levando a situações de escassez hídrica ou excesso de chuvas.
Segundo a área técnica da ANA, os efeitos do El Niño devem persistir na região até os meses de fevereiro, março e abril de 2024, o que vai manter as chuvas abaixo da média sobre a bacia do rio Madeira nos próximos meses.
O Madeira é um rio importante para transporte de passageiros e de carga, com trecho navegável que se estende de Porto Velho (RO) a Itacoatiara (AM).
Além disso, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio foram construídas sobre as águas do Madeira. Juntas, as duas usinas representam 6,7% da potência instalada do sistema elétrico interligado.
Em 2 de outubro, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) anunciou a suspensão da operação da usina hidrelétrica de Santo Antônio por conta da estiagem. A usina foi construída a fio d’água, ou seja, tem pequeno ou nenhum reservatório de água, dependendo da vazão do rio para gerar energia.
No último dia 4, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) reconheceu que a crise na bacia do rio Madeira poderia comprometer o atendimento aos estados do Acre e Rondônia, por conta da paralisação da usina de Santo Antônio.
Na ocasião, o CMSE autorizou a contratação de duas termelétricas, Termonorte 1 e Termonorte 2, para fornecimento de energia aos estados.
“Quanto aos usos consuntivos, –a irrigação, o saneamento, indústria– entendemos que o risco é baixo de não atendimento em razão da indisponibilidade hídrica quantitativa. O que pode acontecer é que os mecanismos para captação de água devam ser adaptados para conseguir fazer a captação de água”, declarou o superintendente de Regulação dos Recursos Hídricos da ANA, Marco José Melo Neves.
A primeira vez que a ANA declarou “situação crítica de escassez quantitativa de recursos hídricos” foi na bacia do rio Paraná, em 2021. Naquele momento, por conta da falta de chuva, o país passou por uma crise hídrica e de energia.
A seca histórica do rio Madeira tem gerados consequências severas para a população: milhares de pessoas sem água, como exemplo. Já os peixes, que vivem no rio, precisam mudar seu ciclo e buscar “rotas de fuga” para sobreviver.
De acordo com a bióloga e doutora na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Carolina Dória, na bacia do Madeira existem áreas com diferentes profundidades. Por conta disso, os peixes tendem a procurar locais mais profundos no período de seca com o objetivo de manter o ciclo de vida.
O Rio Madeira abriga 40% de todas as espécies de peixes da bacia amazônica — são mais de 1,2 mil. Todos os rios de Rondônia, em algum momento, desaguam no Madeira. A manutenção da saúde desse rio é vital para a preservação de toda a bacia Amazônica.
A mudança de “rota”, durante o período da seca, pode causar a morte das espécies e dificultar a pesca local. De acordo com Carolina, quando a seca atinge níveis críticos, pode ocorrer a extinção das áreas mais profundas dos rios e os peixes ficam “encalhados”, como registrado em vários municípios do Amazonas nas últimas semanas.
Por que isso acontece?
Devido à falta de oxigênio nos igarapés e às altas temperaturas, muitas espécies aquáticas acabam morrendo.
As ondas de calor que afetam a região Norte do país durante este período podem elevar a temperatura da água. Conforme a pesquisadora, os peixes têm dificuldade em suportar temperaturas superiores a 30°C. Isso compromete a capacidade das espécies em regular a temperatura corporal e, consequentemente, afeta seus processos fisiológicos.
“Em período normais, a primeira camada da água tende a ser mais quente, mas no fundo do rio, ela fica mais fria. Porém com uma profundidade menor, a tendência é que todo o compartimento aquático fique superaquecida”, explica a bióloga.
De acordo com a professora, esses fenômenos comprometem também a captura dessas espécies, já que muitas não conseguem migrar para áreas com maior quantidade de água. As consequências disso são: escassez de peixes em algumas regiões e diminuição na quantidade de biomassa disponível para a pesca.
Fonte: G1 RO