Delegada acusa Lojas Zara de racismo após ser barrada em shopping center de Fortaleza
Polícia diz que loja se recusou a fornecer imagens internas para investigar se houve crime de racismo e apreende material com um mandado judicial. Zara diz que cliente foi barrada por estar sem máscara
A delegada Ana Paula Barroso carregava uma sacola em uma mão e um sorvete na outra quando decidiu entrar na loja Zara localizada em um dos principais shoppings de Fortaleza, o Iguatemi, na terça-feira passada, 14 de setembro.
Não demorou para que fosse surpreendida pelo gerente da loja, que teria barrado a sua entrada sob a justificativa de “normas de segurança”.
Sem entender o que estava acontecendo, ela perguntou se o problema era o sorvete que estava tomando, com a máscara para proteger-se contra o coronavírus arqueada no queixo. Como resposta, contou que ouviu apenas que não poderia ficar ali e foi conduzida à saída.
Próximo à Zara, Ana Paula perguntou a um segurança do shopping se baixar a máscara enquanto tomava um sorvete era motivo para impedir sua entrada na loja. Ele negou e acionou o chefe de segurança do shopping, que a reconheceu como delegada, por já terem trabalhado juntos.
Ambos retornaram então à Zara para falar com o gerente. “Ele perguntou ao funcionário o que havia acontecido, e ele foi logo dizendo que não tinha preconceito, que tinha amigos negros, gays e lésbicas”, narra a delegada Anna Claudia Nery da Silva, que agora investiga o provável caso de racismo.
“Quando ele fala esta frase, já mostra que há um preconceito”, acrescenta. O chefe de segurança então mediou a situação, e o gerente disse ter sido mal interpretado e acabou pedindo desculpas, conforme depoimentos ouvidos por Nery.
Ana Paula Barroso, diretora adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil do Ceará, teria ficado em “estado de choque” com o ocorrido. Poderia ter dado voz de prisão, mas não o fez.
“É complicado você passar por uma situação dessa. Em pleno século XXI você não acredita que isso vai acontecer. Ela não teve esta reação na hora, de dar voz de prisão”, afirma Nery. No mesmo dia em que ocorreu o episódio, Ana Paula registrou um Boletim de Ocorrência eletrônico.
A Polícia Civil então instaurou um inquérito e pediu as imagens das câmeras de segurança do shopping e da loja para investigar o suposto crime de racismo. O problema é que a Zara decidiu não cedê-las, segundo afirma, em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Ceará.
A delegada Ana Nery diz que ao menos três ofícios foram enviados, mas a loja postergava a entrega das imagens. Por isso, a Justiça foi acionada para consegui-las.
Ao site Bemdito, Ana Paula Barroso se disse “emocionalmente abalada”. “O sentimento que tive foi o de ser indigna de estar naquele ambiente, naquele lugar. Um ambiente de tratamento seletivo. Fiquei impactada. É uma coisa que você não espera. Você sente o não pertencimento. Foi como se aquele lugar não me pertencesse, como se eu não pudesse estar ali. Fiquei emocionalmente abalada”, disse, acrescentando que não costuma frequentar a loja.
“Nunca vou lá. Mas, como tudo na vida, e como cristã que sou, acredito que nada acontece por acaso. Para tudo há um propósito. Estou em um departamento da Polícia Civil que atende a grupos vulneráveis. E Deus permitiu que eu entrasse naquela loja, que eu nem ia entrar, e passasse por esse dissabor, para que isso não ficasse impune”, completou.
Na versão da Zara, Ana Paula teria sido impedida de permanecer na loja porque estaria sem máscara, uma exigência sanitária por conta da pandemia.
“O que aconteceu é que esta cliente delegada entrou na loja sem máscara. E nosso gerente a abordou para que ela colocasse a máscara, porque estamos obedecendo regras de segurança em todas as nossas lojas do Brasil”, alegou por telefone uma fonte da empresa, que pediu para não ser identificada.
A marca espanhola não tem um porta-voz oficial no país e, sem responder formalmente por e-mail as demandas do EL PAÍS, deu sua versão a este jornal off the record, extraoficialmente, por telefone.
Fonte: El País