Policial

Após preconceito na busca por emprego, detento do regime aberto abre a própria empresa

Ademilson Coelho dos Reis foi preso pela primeira vez quando tinha 24 anos. Hoje, aos 44, ele comanda o próprio negócio enquanto cumpre a pena no regime aberto em Porto Velho.

Com uma pena de 74 anos de prisão para cumprir, Ademilson Coelho dos Reis viu dentro das celas do presídio Ênio Pinheiro a oportunidade de mudar a própria sorte em Porto Velho.

Isso porque depois de migrar para o regime aberto e sofrer discriminação na busca por uma vaga de emprego, o reeducando decidiu abrir a própria empresa de confecção de camisetas.

Condenado por vários crimes, como homicídio privilegiado e latrocínio, Ademilson diz que decidiu trabalhar na fabricação de camisetas porque obteve experiência com corte e costura enquanto cumpria pena dentro do presídio.

Ao jornal, ele lembra que começou a mexer com as máquinas de costura, aos 24 anos, ainda no Ênio Pinheiro.

“Em 1999 tive meu primeiro contato com as máquinas de costura. Foi eu e meus companheiros que montamos as máquinas lá. Na época não foi oferecido curso de capacitação, mas lá dentro alguns presos tinham experiência com costura. Eles nos ensinaram e no começo a gente fazia apenas os uniformes dos presos”, diz.

Com aperfeiçoamentos profissionais através de cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), os presos montaram uma fábrica dentro do presídio e os detentos passaram a fazer bolas, redes de gol e uniformes.

Segundo Ademilson, o primeiro contato dele com a fábrica não foi feito de boa fé. “Confesso que quando aceitei ir para a fábrica o intuito não era trabalhar. Estava querendo distrair a mente. O pensamento que eu tinha era só fugir dali. Até cheguei a fugir do presídio, mas depois fui recapturado”, recorda.

Foi só após três fugas que Ademilson diz ter percebido a oportunidade para mudar de vida. “Tentar adiantar minha saída do presídio [fugindo] foi um verdadeiro atraso, pois percebi o quanto meus anos de pena aumentavam. Foi aí que decidi que faria a coisa certa e aproveitaria a oportunidade de trabalhar lá dentro”, conta.

Daí em diante, Ademilson lembra ter vivido um divisor de água em sua vida. “Em 2006 caí na real, que apesar de eu fazer o que fiz, eles ainda estavam apostando em mim. Então fui lá e abracei a oportunidade. Fui trabalhar e estou até hoje nessa área, pois, além de cuidar do meu negócio aqui fora, faço manutenção das máquinas dentro do Ênio”, explica.

Enfrentando o preconceito

Ademilson lembra que quando deixou o presídio para terminar de cumprir a pena em casa, em 2012, a maior barreira enfrentada foi a de conseguir um emprego no mercado.

Foi muito difícil. Depois que a gente sai da prisão todas as portas se fecham. Lembro que fui muito discriminado e não consegui trabalho”, relata.

Com vários certificados em mãos, conquistados dentro do presídio, e com vontade de trabalhar, Ademilson tomou coragem e deu um pontapé inicial para retornar à sociedade. Ao lado da esposa, ele abriu o próprio negócio: uma fábrica de confecção e estampa de camisetas.

“Iniciamos com duas máquinas bem inferiores em qualidade. Uma delas a minha cunhada nos deu e a outra conseguimos comprar. Foi assim que comecei a trabalhar, pegar serviços. Na época a pintura era feita na mesa de serigrafia. Era muito ralado, mas a gente dava conta”, relembra.

Com o trabalho sendo realizado dentro da própria casa, Ademilson lembra de situações em que chegou a perder serviço por usar tornozeleira eletrônica.

“No começo aqui não tinha central de ar e eu usava short, então a tornozeleira ficava à vista. Teve situações em que clientes entraram e, ao verem a tornozeleira, foram embora sem ao menos ver o meu trabalho ou orçamento. Claro que eu percebia o preconceito. Por pressão da minha esposa parei de usar shorts”, confessa, aos risos.

Mudar para melhor

Há mais de 15 anos casada com Ademilson, Silvana Aparecida diz que não foi fácil a reinserção do esposo fora da cadeia. Desde o começo ela ajuda o marido na fabricação de camisetas.

“Foi difícil e ainda é! Eu sei que ele fez coisa errada, mas está pagando. Vai vencer agora em outubro a cadeia máxima de 30 anos no Brasil. Quase ninguém chega a esse ponto de mudar, alguns até ficam pior, mas não é o caso dele. Ele mudou para melhor e eu vivenciei isso”, ressalta orgulhosa.

Professor no presídio 470

Ademilson também é professor na penitenciária Milton Soares de Carvalho, conhecida como 470. Na unidade ele ministra aulas de corte, costura e serigrafia para uma turma de detentos. No total são 12 vagas oferecidas. As aulas acontecem em três dias da semana e cada encontro tem duração de 2h30.

Em uma sala são disponibilizadas máquinas de costura, linhas, telas para a serigrafia e apostilas que embasam a prática do ofício.

Para um dos alunos, ter aulas ministradas por alguém com quem já dividiu cela é uma inspiração.

“É muito bom poder ter o Ademilson como exemplo. Poder vê-lo como nosso professor com certeza dá aquela sensação de que quando sair daqui poderei ser inserido novamente na sociedade, tendo o meu negócio, assim como ele. Nas aulas ele nos ensina o caminho por onde já passou”, destaca.

Para o diretor geral do presídio 470, Guilherme Barreto Aguiar, o projeto é um estímulo a mais para os internos buscarem a ressocialização. “Esse é um tempo muito importante para presos. Ali eles passam o tempo fazendo uma coisa boa e aprendendo um ofício”, diz o diretor-geral.

A diretora administrativa da unidade, Elaine Vieira, afirma que a presença de Ademilson como professor gera identificação entre os internos. “Ele é um exemplo para os demais. Com as aulas, além de ensinar um ofício, estimula os internos a seguirem o mesmo caminho que o Ademilson seguiu”, ressalta.

Técnico no presídio

Recebendo um auxílio mensal de R$ 748, Ademilson também dá aulas na penitenciária Milton Soares de Carvalho e ajuda na manutenção das máquinas usadas na fabricação de bolas e rede de futebol.

O coordenador do projeto, Elias Rodrigues, lembra a trajetória de Ademilson dentro do Ênio.

“O Ademilson era uma pessoa muito complicada. Deu muito trabalho e causou problema na sociedade. Com a metodologia do projeto ele foi se encaixando e, a cada dia, melhorando. Ele se tornou uma pessoa agradável. Percebemos que aqui dentro do Ademilson despertava o desejo de aprender. Ele fez todas as oficinas. Quando chegou na progressão do regime, montou o ateliê com tudo o que ele aprendeu aqui. Hoje ele dá cursos e também faz a manutenção das nossas máquinas”, explica.

Identificação é a característica que Elias destaca na relação entre o Ademilson e os detentos. “Uma vez o Ademilson contou que tudo que ele nos via indo embora fala para si mesmo que ‘um dia ele também ia sair de volta para casa’. Ele contou esse exemplo aqui dentro. O reeducando precisa de uma liderança, mas dentro do presídio ele só tem exemplos ruins, mas surge reeducando como espelhos positivos. Isso dá muito resultado positivo”, aponta.

Atualmente são 77 reeducandos no projeto, segundo o coordenador. Desses, 25 trabalham diretamente na fábrica, uma sala com 24 máquinas, e na confecção de redes e bolas. Há ainda 52 costuradores dentro das celas.

Ex-monitor de informática, um dos detentos do Ênio Pinheiro diz que Ademilson oferece a eles uma esperança para o empreendedorismo.

“É bom ver que um irmão se ressocializou por causa de um interesse que partiu dele. A gente sabe das dificuldades que a gente enfrenta quando sai daqui, principalmente no mercado de trabalho, pois a gente é discriminado. As vagas são poucas para todos, mas para que quem já teve passagem pelo sistema prisional é ainda pior”, afirma.

De acordo com um levantamento feito pela Secretaria de Estado e Justiça (Sejus), na última quinzena de setembro, o estado tem 13.782 presos. Deste total, 7.237 pessoas estão presas nas 10 unidades prisionais existentes em Porto Velho.

‘Ressocialização é dignidade humana’

O promotor Leandro Gandolfo, do Ministério Público de Rondônia(MP-RO) explica que a ressocialização é uma segunda chance ao detento.

“Trazer o preso para ter uma ressocialização é dar a ele uma oportunidade em ter uma fonte de renda para sair da criminalidade. Temos vários casos em que a ressocialização foi bem sucedida. O índice de reincidência ainda é alto, cerca de 50%, mas se pegarmos uma unidade como a Vale do Guaporé o nível de reincidência é bem menor. Há determinados tipos de presos, principalmente réus primários, que não voltam mais para o crime”, aponta Gandolfo.

Ao G1, o promotor explica como o MP-RO trabalha para dar ‘dignidade humana’ aos presos.

“Vistoriamos frequentemente a forma em que as unidade são montadas, se de fato estão preservando a dignidade das pessoas que estão lá dentro, se tem atividades para se ter a ressocialização. Nós visitamos todas as unidades mensalmente”, explica.

Além da fábrica de bolas e aulas de corte e costura, Gandolfo revela uma nova atividade a ser disponibilizada futuramente aos detentos.

“Há uma área que está destinada para cozinha industrial no complexo. Estamos tentando colocar cursos de gastronomia de forma rápida, como produção de salgadinhos, bolos e pães. São cursos que com pouco tempo a pessoa tem uma profissão. Com isso, quando o preso sair de lá poderá procurar um emprego ou montar o próprio negócio, como fez o Ademilson”, acredita o promotor.

Gandolfo ainda conta que acompanha pontos específicos da ressocialização em Porto Velho. “Outro aspecto para trabalhar com a ressocialização são as várias frentes que temos. Um projeto que já estamos analisando é trazer a Apac, que realiza outros tipos de trabalhos com os presos. Já temos aqui a Acuda, nascida aqui em Porto Velho. São várias frentes voltadas à dignidade humana e a ressocialização do presos para que eles tenham uma recuperação”, afirma.

O promotor destaca que atualmente o Centro de Ressocialização Vale do Guaporé é referência de ressocialização na capital.

“O Centro de Ressocialização Vale do Guaporé tem a própria forma de entrada diferenciada por meio de uma classificação, de quem tem porte não tem, além de pena menores. Lá há vários cursos em diferentes áreas”, destaca.

A lei de execução penal prevê que, a cada três dias trabalhados, haja a remição (diminuição) de um dia da pena do interno.

Fonte: G1 Rondônia

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